RelatosSabadoTarde
Sábado 14/07/07 - Tarde
Flávia - Importância do encontro: redefinição do papel do CMI, outras formas de organização. Como estes processos se dão. A gente ainda está falando para nós mesmos de nós mesmos. Estamos pensando e percebendo os processos acontecendo.
Geraldo - Um dos focos da discussão é a cooptação. É importante perceber a possibilidade de que alguns processos de cooptação possam gerar novas formas de organização. Quero separar a fala em dois momentos: a perspectiva que vejo da discussão e o desafio.
Primero, existe uma contradição, uma coexistência paradoxal de elementos. Então, quais são os elementos emancipatórios, contra-hegemicos, e quais são os mecanismos de apropriação desses elementos. No caso da minha experiência, no caso da democracia participativa, no fim da década de oitenta temos ascensão dos movimentos sociais. Depois de vinte anos temos o Chavez falando de democracia participativa e o Banco Mundial falando de orçamento participativo. Hoje o Estado se apropriou dos mecanismos de organização alternativos, mas a produção desses vinte anos não deve ser descartada. Houve mecanismos contra-hegemônicos. A participação de minorias, por exemplo, propiciou um agenciamento de pessoas dos movimentos GLBT, Movimento Negro.
Diogo - O que é controle social?
Cássio - Não é só forma e conteúdo que foram cooptado, mas as idéias. É importante perceber como o agenciamento acontece, no sentido de controlar como nossas idéias são apropriadas.
As grandes organizações têm limites, que vão se expandindo na medida em que ocorre a cooptação. Nós também estamos sempre superando limites e sendo mais capitalistas que essas organizações, no momento em que criamos coisas que são cooptados e ajudam a expandir os limites dessas organizações.
História: o Sesc financiou um quiosque no Centro, apresentamos um projeto com microfone aberto, no modelo de Rádio Livre. Em um certo momento a organização do Sesc disse que estávamos lá para fazer cultura e não política.
Re-existir: criar e ser cooptado, sempre. A criatividade é infinita.
Rhatto - sobre o que o Cássio acabou de falar e levando em conta a fala do José, que pela manhã expôs que o que hoje é uma prática de contestação amanhã pode ser algo essencial e parte necessária para o capitalismo, formulo as seguintes perguntas: se hoje temos diversos movimentos e grupos contestatórios lutando contra o status quo, não poderíamos muito bem dizer que do modo como as coisas são apropriadas hoje tais grupos não cumprem o papel de inovadores para o capitalismo moderno? Levando isso em conta, a segunda pergunta é: será então que tudo é apropriável pelo capitalismo e nesse sentido nossa única possibilidade seria partir em busca do INAPROPRIÁVEL?
Cássio - O CMI é um exemplo que não foi cooptado, por ter criado uma licença na qual o conteúdo não pode ser utilizado com fins comerciais. Mas as nossas ações podem virar espetáculo, tanto no viés da política quanto no Youtube.
Márcio - Sim, mas é importante sair da discussão puramente teórica sobre licenças, sair para as ruas e usar a tecnologia como meio.
Maria - A diversidade das pessoas aqui mostra que apesar de áreas diferentes, enfrentamos tensões em comum. A meu ver o tema do encontro é discutir o sentido da radicalidade. Pensar além das contradições dos movimentos. Qual é o sentido das nossas práticas? O que é ser capitalista? Em que sentido estamos trabalhando para fortificar o que queremos destruir?
Gavin - Exemplo dos coletivos na arte. Pós modernismo, anos 80, 90, valorizou o indivíduo. A globalização chegou de forma radical. São muitos coletivos, há muito ódio entre eles, há uma moda de fazer coletivo. Tendemos a trabalhar em dois módulos: simbólico e relacional.
Simbólico: procuramos entender como funciona a simbologia, a imagética do capitalismo, e então produzir algo contrário.
Relacional: com pouco espaço nas galerias e na indústria, tivemos que produzir nosso próprio espaço. Nosso trabalho vale cada vez menos e é cada vez mais genérico: lazer, cultura, entretenimento, dar aula. REPRODUZIMOS O CAPITALISMO em cada uma das nossas ações, trabalhamos enquanto consumimos e tiramos férias. Ficar na fila de uma casa noturna é trabalhar pelo marketing dela, viajar para um lugar também.
Temos que mapear formas de poder, o novo capitalismo, formas de trabalho. É uma tarefa social e poética imaginar o inapropriável.
Ao prestar serviço, ganhamos muito pouco. Ao produzir, se houver CONTROLE SOCIAL (da produção, da apropriação), temos outras oportunidades, mas a apropriação sempre vai acontecer. Em que condições aceitar um serviço? Eu vou conseguir alimentar a base que me formou nas condições que me estão sendo aproveitadas? Isso vai conseguir barrar o achatamento salarial da minha 'classe'? É importante valorizar o trabalho e deixar de fazer workshop safado.
Paique - Controle social é a idéia do controle social da produção. Como exercer controle social sobre a produção imaterial? É mais difícil haver organização sem proximidade territorial.
O processo de cooptação é o processo do seu trabalho não ser mais decidido por você. O problema não é a Folha usar uma matéria do CMI, mas o CMI começar a trabalhar para a Folha de São Paulo. É tirar a pessoa do espaço de produção e do controle da produção dela.
Marcelo Tavares - Utilizar o Microsoft Word para produzir alguma coisa é facilitar a apropriação "ruim" do conteúdo. A empresa do programa que eu uso não pode limitar para quem eu, produtor, distribuo o que produzi.
Fabs - Para pensar sobre a lógica do capitalismo, temos que pensar em todas as formas de lógica, por exemplo, a lógica Fuzzy se aplica aos seres humanos e suas contradições. Em qual lógica pensamos quando falamos a palavra 'lógica'?
Rhatto - Inicialmente, a grande inovação do CMI foi a publicação aberta, o que hoje está presente em qualquer sítio. O CMI errou ao não levar pra frente essa discussão de formas de organização social e tecnológica, já que o formato dos sítios está inalterado e muitas vezes ainda é considerado como sendo ótimo.'
Elisa - Paramos no tempo, podíamos estar muito a frente da Wikipedia e Youtube mas ficamos muito tempo na rua e pouco pensando na ferramenta.
Rhatto - Mantemos uma estrutura que permite os grupos que se organizam contra o capitalismo convirjam. Mas muitas vezes as ferramentas que permitem que as pessoas se organizem acabam com a capacidade delas de se organizarem por contra própria.
Fabs - Além da re-existência é necessário persistência, eu sinto muita falta de persistência.
As pessoas do Estúdio Livre foram para a Espanha com dinheiro do governo espanhol e conseguiram fazer coisas lá. O governo espanhol também patrocina o pessoal do Debian e outros projetos como a tradução do OpenOffice.
Elisa - O pior pra mim é quando os nossos amigos são cooptados, sem perceber o que acontece. As experiências podem ter sido legais para vocês que foram para a Espanha. O governo proporciona mudança para poucas pessoas. Foram gerados documentos, mas como isso muda a vida das pessoas? Até que ponto é importante fazer oficina de Blender para índios? Eu vi CD com produção desses projetos vendidos pela Trama.
Márcio - O mesmo governo que dá isenção de impostos para a Google e Microsoft é o mesmo governo que dá dinheiro para esses projetos de cultura digital.
Elisa - É necessário viver em função do financiamento? As pessoas têm se esgotado nisso.
Gavin - Queremos constituir um mercado ou um campo? O problema não é o dinheiro vir, mas como ele vem.
Henrique - Um elemento pode ser emancipador dentro de outro contexto. Alguma coisa que pra gente é super conservador, num outro contexto pode ser revolucionário. Temos que ter uma certa tolerância para algumas coisas que podem ser emancipatórias.
Há um problema no sentido de contradição. Tudo que faço constituem o meu ser. Como ter um projeto legal sem enfrentar a questão econômica? Isso não é ser contraditório. É perceber que existe uma relação com o outro e entender como isso pode ser levado para um lado emancipatório.
Isso tudo me lembra o início dos anos oitenta quando a questão era entrar ou não no PT. Os movimentos não conseguiram criar uma autonomia, cuidar da sua sustentabilidade. Também me lembra do início do cercamento da terra e transformação dela numa mercadoria. Também me lembra, quando falam da valorização da força de trabalho, na criação dos sindicatos.
Márcio - Como combater o Estado estando dentro dele?
Geraldo - Duas idéias perpassaram todas as falas: cooptação, que motivou o encontro, e controle social. A cooptação ocorre na medida em que se dissolve a autonomia. A partir disso, como obter a sustentabilidade dos espaços políticos criados? Daí, segue a idéia do inapropriável. A produção de contradições não é estática, não podemos subestimar a inteligência do capitalismo.
No processo de acompanhar as contradições do capitalismo, é importante pensar no inapropriável. Quais são as estratégias alternativas de financiamento e auto sustentabilidade, porque afinal estamos falando de dinheiro. Precisamos evidenciar isso como uma contradição, porque pode estar claro para as pessoas dessa sala, mas é preciso levar para os outros.
Flávia - Retomando a questão econômica, da forma em que as coisas estão organizadas hoje, o gargalo da distribuição econômica são o Estado e as Instituições.
Criscabello - Uma vez que você recebe um dinheiro e tem autonomia para decidir como usar, você não está sendo cooptado. Eu vejo muita gente recebendo grana do governo e tendo autonomia total.
Rhatto - O capitalista não sabe se aquilo no que ele está investindo trará resultados imediatos, da mesma forma como nem sempre a pesquisa científica traz resultados imediatos ou esperados. Muito do que se descobre é inesperado. Ou seja, essa visão de autonomia é uma ilusão. O capitalista diz para você: "pegue esse dinheiro e faça o que quiser". Mas ele já sabe previamente que esse "o que você quiser", que sua vontade já está previamente definida: porque você vai pesquisar no campo do áudio, do vídeo, programar, pesquisar movimentos sociais ou o que quer que seja. De tudo isso, certamente algo sempre pode ser aproveitado por quem financia.
Foz - Pra gringo ver, o seu trabalho é a ação do governo. Você está legitimando o governo.
KK - A lógica que acontece é a lógica de Estado. Se você responde a um edital, não pode ser ingênuo de pensar que aquilo vai acontecer fora de uma lógica de Estado. Será que não é importante os grupos já partirem do pressuposto que o Estado não é interessante? Que é necessário evitar o Estado? É importante pensar se ao fazer uma licença não estamos também levantando uma espada e reproduzindo a ação do estado?
Diogo - O problema está na transformação das coisas em mercadoria, e esse é o caminho que leva o capitalismo a se refazer. É possível encontra coisas revolucionárias no Software Livre, como a ajuda mútua sem motivos financeiros. É importante questionar a "mercadorização" das pessoas também.
O governo também está atrás de estatísticas, e nesse meio existe a perda de autonomia. No projeto Cultura Digital, do ano passado para este as pessoas têm corrido atrás de produzir e criar estatísticas para justifica o projeto.
Os Zapatistas fizeram acordo com o governo para receber material didático e na hora da entrega o governo veio com helicópteros para fazer a entrega desse material. No fim preferiram ficar sem o material didático do que deixar o governo mexicano passar por cima do território de helicóptero.
David - Fui à Croácia discutir Creative Commons com pessoas de 58 países e tinha muita gente que não era Anticapitalista, inclusive o comunismo era o problema até pouco tempo, e perguntei sobre como elas resolvem o problema do dinheiro. Voluntariado e trabalho assalariado: como é a relação, como aceitar dinheiro e de quem? Você tem que se dividir para fazer parte disso?
Fomos para a pracinha, pois o local que reservamos fechava as 18h.
Copyright (c) Encontro: Cultura Livre e Capitalismo: desde que não mencionado em contrário, este conteúdo é distribuído de acordo com a Licença de Manipulação do Conteúdo Deste Sítio.